A Mente É Um Fenômeno Social

sábado, 12 de maio de 2012

A MENTE só pode existir em sociedade. Ela é um fenômeno social, pois necessita da presença de outras pessoas. Você não pode sentir raiva quando está sozinho ou, se isso acontecer, se sentirá tolo. Você não pode ficar triste quando está sozinho, pois não há desculpa para tal. Também não pode se tornar violento, é necessário que haja mais alguém por perto. Você não pode falar, não pode continuar tagarelando. Não pode usar a mente, ela não pode funcionar — e quando a mente não pode funcionar, ela se torna ansiosa e preocupada. Ela precisa funcionar, precisa de alguém com quem se comunicar.
A mente é um fenômeno social, um subproduto da sociedade. Não apenas da sociedade moderna, mas de qualquer sociedade. Mesmo nos tempos ancestrais, quando alguém ia caçar sozinho na floresta, essa pessoa ficava ansiosa, ficava deprimida no começo. A diferença não está na mente, a diferença está no grau de paciência. A mente permanece a mesma, seja ela moderna ou antiga, mas nos velhos tempos as pessoas eram mais pacientes, podiam esperar. Hoje você não sabe mais ser paciente, e aí está o problema.
Nos velhos tempos, no mundo antigo — especialmente no Oriente —, não havia consciência do tempo. É por isso que os relógios não foram inventados no Oriente. Poderiam ter sido inventados na China, talvez, mas eles não estavam interessados no tempo. A mente moderna se interessa em demasia pelo tempo. Por quê? Isto é parte da influência cristã no mundo. Com o cristianismo e o islamismo, a consciência do tempo passou a fazer parte do mundo. Há razões para tal.
No pensamento cristão, acredita-se que haja apenas uma vida. Ë a primeira e a última. Se você morrer, não terá mais tempo, então todo o tempo que você tem são setenta ou oitenta anos, talvez. Por isso há tanta pressa no Ocidente. Todos correm porque a vida está se esvaindo. A cada momento seu tempo de vida restante diminui. O tempo está passando e você está morrendo. Tantos desejos para realizar e tão pouco tempo para realizá-los, isso obviamente gera ansiedade.
No Oriente, por outro lado, sempre se acreditou que a vida seja eterna. Assim sendo, o tempo não importa, não há pressa, pois você passará por aqui muitas vezes. Já esteve aqui milhões de vezes e voltará milhões de outras vezes. Esta não é a primeira nem a última
vida, apenas mais uma dentro de uma longa cadeia, e você está sempre no meio, pois não há início nem final. Por que, então, ter pressa? Há tempo suficiente para tudo.
Em uma das escrituras tibetanas está escrito que, mesmo se você tiver que correr, deve fazê-lo devagar. Se você correr, jamais atingirá lugar algum. Perceba o aparente paradoxo: sente-se e você atingirá seu objetivo, mas, se correr, não chegará a lugar algum.
Nessa cadeia eterna, de milhões de vidas, há sempre tempo suficiente. A paciência, então, se torna possível. Mas no Ocidente, como há apenas uma vida, a cada momento um pouco dessa vida vai se transformando em morte. Há uma perda constante, nada é realizado, nenhum desejo é satisfeito, tudo está incompleto... Como você pode ser paciente? Como esperar? Tornou-se impossível esperar. Com essa ideia de uma única vida, junto com outra ideia, a do tempo linear, o pensa mento cristão criou uma forte ansiedade dentro da mente. E agora esse pensamento tornou-se uma influência global.
O pensamento cristão diz que o tempo não se move em círculos, mas sim em linha reta. Nada se repetirá, então tudo é único. Todo e qualquer evento irá ocorrer uma única vez em toda a eternidade, não se repetirá jamais. Não é um círculo, não é como uma roda em movimento, na qual um aro irá girar várias vezes.
No Oriente, o tempo é um conceito circular, como as estações se movendo em um círculo. Se o verão chega agora, então chegará sempre. Sempre foi assim e assim será para sempre.
Este conceito oriental está mais próximo da verdade: a Terra se move em um círculo, o Sol se move em um círculo, as estrelas se movem em um círculo e a vida também. Todo movimento é circular, e o tempo não pode ser uma exceção: se o tempo se mover, irá fazê- lo de forma circular. O conceito linear de tempo está absolutamente errado.
É por isso que, no Oriente, nunca nos interessamos muito por História. Estivemos interessados pelos mitos, mas não pela História. Foi o Ocidente que introduziu a História no mundo. É por isso que Jesus tornou-se o centro da História, o início do calendário. Medimos o tempo com a ideia de “antes de Cristo” e “depois de Cristo”. Cristo tornou-se o centro de toda a História, a primeira pessoa histórica.
Buda não é histórico, nem Krishna. Não é possível ter certeza sobre o nascimento de Krishna, se ele existiu de fato ou não, se foi apenas uma história ou se houve fatos históricos. Ninguém nunca se preocupou com isso no Oriente.
Dizem simplesmente que todas as coisas são histórias, que já foram contadas muitas vezes e serão contadas de novo. Não é preciso, então, preocupar-se com os fatos, pois os fatos são repetitivos. É melhor preocupar-se com o tema. Caso contrário, coisas importantes podem passar despercebidas.
Diz-se que, antes do nascimento de Rama, um dos avatares da Índia, Valmiki, escreveu sua história. Antes mesmo que ele nascesse? Isso é impossível! Como alguém pode escrever sobre alguém que ainda não nasceu? Mas Valmiki escreveu primeiro, então Rama teve que seguir essa história, fosse como fosse. Como isso aconteceu? Parece um mistério, mas não é, se olharmos o tempo do ponto de vista oriental.
Valniiki disse: “Conheço Rama, porque ele já nasceu antes em muitas eras. Vou criar a história, pois já conheço o tema, aquilo que é essencial. Irei colocar o que não for essencial na história.”
E Rama deve ter pensado: “Por que contradizer Valmiki? Por que ir contra o que esse velho homem disse? Vou seguir o que está escrito.” E assim o fez.
O Oriente vive imerso em mitos. Um mito significa um tema repetitivo, o essencial está sempre presente. No Ocidente os mitos não têm sentido. Se você puder provar que alguma coisa é mitológica, ela perde seu sentido. É preciso provar sempre que foram fatos históricos, que aconteceram dentro do tempo. É necessário ser absolutamente preciso.
Como eu disse antes, este conceito linear de uma vida única cria ansiedade. Por isso, quando você fica em silêncio, sozinho, fica preocupado. Uma coisa é certa para você: o tempo está sendo desperdiçado. Você não está fazendo nada, está apenas sentado. Por que você está desperdiçando sua vida? E este tempo não pode ser recuperado, porque no Ocidente se ensina que “tempo é dinheiro”. Isto está absolutamente errado, porque a riqueza é criada pela escassez e o tempo não é escasso. Toda a economia depende da escassez: se alguma coisa é escassa, ela se torna valiosa. Mas o tempo não é escasso, está sempre presente. Não é possível esgotá-lo, então o tempo não pode ser econômico e, portanto, não pode representar riqueza.
Ainda assim, continuam ensinando que o tempo é uma riqueza que não deve ser desperdiçada, pois não voltará. Então, você não pode ficar sozinho, apenas sentado, durante três anos. Nem três meses, nem mesmo três dias, pois você terá desperdiçado esse tempo.
E o que você está fazendo? Surge um segundo problema, porque no Ocidente ser não é muito valioso, mas fazer é valioso. Pergunta-se sempre “O que você tem feito?”, pois o tempo serve para fazer algo. Dizem, no Ocidente, que uma mente vazia é a morada do demônio. Você sabe disso e sua mente sabe disso. Então, ao sentar-se, sozinho, você fica amedrontado. Está perdendo tempo, não está fazendo nada, você fica se perguntando: “O que você está fazendo aqui? Está apenas sentado? Desperdiçando seu tempo?” Como se ser, e apenas ser, fosse um desperdício! Você precisa fazer algo para provar que usou seu tempo. A diferença na forma de pensar está aí.
Na antiguidade, sobretudo no Oriente, ser era o bastante. Não havia necessidade de provar mais nada. Ninguém iria perguntar: “O que você tem feito?” O seu ser já era suficiente, e era aceito como tal. Caso você fosse uma pessoa silenciosa, cheia de paz, de contentamento, estava tudo bem. Por isso, no Oriente, jamais foi pedido aos sannyasins que trabalhassem. E sempre pensamos que os sannyasins, aqueles que deixaram de lado todo o trabalho, eram melhores do que aqueles que estavam ocupados trabalhando.
Isso jamais ocorreria no Ocidente. Se você não estiver trabalhando, é um vagabundo, um mendigo. Os hippies são um fenômeno recente, mas, de certa forma, o Oriente sempre teve uma mentalidade hippie. Criamos os maiores hippies do mundo! Buda e Maavira, sem qualquer ocupação, sentados, meditando, aproveitando seu ser, apenas extraindo contentamento de seu jeito de ser, sem fazer nada. Mas nós os respeitávamos: eram os seres supremos, os mais elevados. Buda era um pedinte, mas até os reis ajoelhavam-se a seus pés.
No Oriente sempre foi totalmente diferente. O ser era respeitado. Não se perguntava o que a pessoa fazia, mas sim quem a pessoa era. E isso bastava. Se você tivesse descoberto a compaixão, se tivesse florescido, isso bastava. A sociedade devia ajudá-lo e servi-lo. Ninguém dizia que você deveria trabalhar ou que deveria criar algo. No Oriente, pensava-se que vivenciar seu próprio ser era a mais alta forma de criatividade, e a presença de um homem assim era valorizada. Ele poderia ficar anos em silêncio.
Maavira passou doze anos em silêncio. Não falava, não ia aos vilarejos, não via ninguém. E quando começou a falar, alguém perguntou a ele: “Por que você nunca falou nada antes?”
Ele respondeu: “A fala se torna valiosa apenas quando você atingiu o silêncio. Do contrário, é fútil. Não apenas fútil, mas também perigosa, pois você está jogando lixo na cabeça dos outros. Foi esse o esforço que fiz, o de falar apenas quando toda fala houvesse cessado dentro de mim. Quando essa fala interior desaparecesse, eu poderia falar. Nesse momento, não seria uma doença.”
E todos podiam esperar, pois acreditavam em reencarnação. Há histórias de discípulos que vinham procurar um mestre e esperavam durante trinta anos, sem perguntar nada. Apenas esperavam até que o mestre dissesse: “Por que você veio?” Trinta anos é muito tempo — uma vida inteira desperdiçada — mas esperar durante trinta anos trará uma realização.
Há ocidentais que vêm me procurar e dizem: “Estamos de partida esta tarde, então nos conte o segredo, nos diga como podemos nos tornar silenciosos. Desculpe, mas não podemos ficar, precisamos partir.” Estão pensando de acordo com as categorias que aprenderam — café instantâneo —, por isso acreditam que deve haver uma “meditação instantânea”, algum segredo que eu possa lhes contar e que resolva a questão.
Não há segredo algum. Ë um longo esforço, que requer muita paciência. E quanto mais pressa você tiver, mais tempo levará. Lembre-se disso: se você não estiver com pressa, pode acontecer agora. Quando você não está com pressa, sua mente possui dentro de si a qualidade adequada, o silêncio está lá.
Siga devagar com paciência. Não tenha pressa, pois o objetivo não está em algum outro lugar, mas sim dentro de você. Quando você não estiver com pressa, quando não estiver indo para lugar algum, irá senti-lo. No entanto, se estiver correndo, não poderá sentir nada, pois estará preocupado e tenso.
No Japão, a meditação é chamada de zazen. Zazen significa apenas sentar sem fazer nada. Os monges zen têm que se sentar durante seis horas por dia, às vezes mais. O mestre nunca lhes dá nada para fazer, eles apenas têm que ficar sentados. Foram treinados para sentar, sem pedir nada para fazer, nem mesmo um mantra. Apenas sentar.
Parece fácil, mas na prática é muito duro, porque a mente pede algum trabalho, algo para fazer. E a mente fica dizendo: “Por quê? Por que perder tempo? Por que ficar aqui, apenas sentado? O que irá acontecer só por estar sentado?” Ainda assim, durante muitos anos, o aprendiz permanece sentado, dia após dia. Então, aos poucos, a mente se cansa de você, se cansa de não ser ouvida e pára de perguntar. Quando isso acontece, aos poucos você descobre uma nova força de vida dentro de si que sempre esteve presente, mas você estava tão ocupado que não podia ouvi-la, não podia senti-la. Ao se livrar das ocupações, começou a senti-la.
A mente sempre criou problemas e gerou solidão. Experimente ficar sozinho durante, no mínimo, três meses, mas decida, com antecedência, que, aconteça o que acontecer, você não ouvirá sua mente. Decida com antecedência que você está pronto a “desperdiçar” três meses, de forma que não seja necessário ficar pensando constantemente que você está perdendo tempo. Você irá simplesmente sentar e esperar. É possível, então, que ocorra um milagre.
Em algum momento nesses três meses, um dia você tomará consciência de seu ser. Quando não há tarefas a executar, coisas a fazer, você pode perceber o ser, tornar-se consciente dele. Se há coisas demais sendo feitas, você apenas segue em frente, esquecendo o ser que está escondido por trás.
OSHO, “Aprendendo a Silenciar a Mente”.