Realizando pela não-ação

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A água não se esforça para fluir; o sol não se esforça para brilhar; a árvore não se esforça para crescer; a Terra não se esforça para girar. A natureza flui, movimenta-se e transforma-se com o mínimo de esforço possível. Esta é a essência da criação.
O esforço é tensão. A ação quando feita desordenadamente, sem fluência e expansão, nada mais é que uma atitude inútil, cujos resultados sempre serão limitados. A ação deve ser feita apenas no momento mais adequado, nunca de forma leviana.
A sociedade criou a segregação e com ela a competitividade. O confronto, a tensão e a superação tornaram-se o principal veículo do mundo moderno. O esforço é tido como uma qualidade de dignidade, de merecimento. Mas tal ideia não é apenas pueril, como também perniciosa.
O ser humano é escravo em seu próprio planeta. Aceitou a ideia de não-fluência como verdade cabal, e moldou seus pensamentos numa premissa dificultosa, medíocre e antinatural, acreditando que não pode haver sucesso ou felicidade sem esforço.
Todavia isso faz parte da engenharia social que está em vigor há algumas décadas, com o intuito de tornar o indivíduo cada vez mais dependente do sistema e, portanto, controlável e impotente.
As pessoas que mais trabalham no mundo, são as mais pobres. As pessoas que menos o fazem, são as mais ricas. Embora isso seja de conhecimento geral, ninguém questiona o porquê do consenso de que o sofrimento é essencial para que possa haver uma esperança de melhora e de sucesso. Não há questionamentos, apenas ações contra o fluxo da vida.
As religiões criaram o mito da pobreza como fator de bondade e salvação. Fizeram de seus seguidores literalmente escravos do sistema, como animais de carga sem vontade e poder de decisão. A abundância virou sinal de maldade e a miséria sinal de beatude.
Ansiedade e frustração são os principais combustíveis do indivíduo escravizado em silêncio. Ambas levam à tensão e por fim ao estresse.
A vida precisa fluir para que haja abundância, para que a paz possa ter uma chance de aquecer os corações dos homens. Criando uma barreira, represando essa fluência, a vida deixa de seguir naturalmente seu rumo.
O esforço é a resistência contra a natureza da existência. Portanto, é querer nadar em oposição à correnteza. Resistir é tensionar, é fazer com que não possa haver solução para os desígnios da vida, pois tudo a que se resiste, inevitavelmente persiste.
Não há desprendimento no esforço. Portanto, não há aceitação, não há espaço para a criação se fazer presente em nossas vidas. Do mesmo modo, o esforço sempre leva ao desejo apegado, que quando findado leva ao sofrimento. Assim sendo, o esforço é sofrimento. É uma atitude antinatural.
A vida e o poder criativo só podem se expressar quando há a total aceitação e o desprendimento. Não há como experienciar a vida numa abordagem sofrível. Viver é a tudo ser, a tudo poder, a tudo amar. Não pode existir amor no sofrimento.
A realidade trava quando a mente tensiona, portanto a vida deixa de estar presente quando o esforço assume as rédeas, restando apenas o existir. Viver não é existir, viver é experienciar. Mas para isso é necessário total desprendimento, total aceitação, total apreciação.
O esforço é inimigo da apreciação, da aceitação e do desprendimento. O esforço é inimigo da própria vida, pois não faz parte da natureza, não faz parte da criação. Sua existência apenas se dá na mente física humana. O esforço é puramente egóico.
E como um componente existencial egóico, ele está presente nos principais vícios do Ego. Há o esforço para ter razão, para discutir, para competir, para ganhar, para não perder. 
Há o esforço para ganhar dinheiro, para arrumar um emprego, para manter o mesmo, para pagar as contas, para comprar uma casa, para sustentar a família, para conseguir se aposentar.
Há o esforço para arrumar um parceiro, para fazer sexo, para satisfazer a outra pessoa, para satisfazer a si mesmo, para não ficar sozinho, para não ser rejeitado. Há o esforço para manter a forma, para manter a beleza, para manter a saúde. 
Há o esforço para buscar a felicidade, para buscar a satisfação, para buscar a segurança, para buscar a paz interior.
Tudo aquilo que gira em torno do ego comporta o esforço.
Não há de se ter esforço, há de se ter consciência e atenção. Quando uma ação é necessária, devemos agir. Todavia, a humanidade age desenfreadamente, principalmente quando não há a necessidade. Há o movimento inútil da coletividade, que apenas corre em círculos e não evolui. A evolução não está fundamentada na ação, mas na transformação silenciosa e intrínseca. Agir de maneira eficaz é agir no momento certo e quando for indispensável uma ação.
Nossas buscas pessoais precisam ser melhor compreendidas e melhor formatadas para se adequarem ao fluxo da vida. Querer realizar algo não significa fazer tudo o que for possível para isso, mas sim fazer o que é mais eficaz para tanto.
A maioria das pessoas sai em buscas mirabolantes para encontrar a felicidade, crendo que é preciso realizar um número infindável de coisas para que ela, a felicidade, finalmente apareça no horizonte.
Mas a felicidade não é um lugar, não é um objeto, não é o resultado de uma busca. A felicidade é um estado de consciência. Não está na realização, não está na conquista, não está na troca. A felicidade basta a si mesma. Ela é o ponto máximo da não-ação.
A felicidade é o estado em que nada é o causador dela. Ou seja, sempre que houver uma causa para a felicidade, é porque não se trata realmente de felicidade, mas sim de satisfação.
Pois a felicidade não depende de nada, ela não tem existência condicional. Ela existe agora no coração de cada indivíduo neste planeta. Mas não pode manifestar-se enquanto a pessoa não buscar seu próprio centro e deixar que a vida flua, em total aceitação e desprendimento.
Marcos Keld.