Curando a Divisão entre Corpo e Alma

segunda-feira, 7 de maio de 2012

NÃO SEPARO a existência nestas duas velhas dicotomias, o plano material e o piano espiritual. Há apenas uma única realidade: a matéria é sua forma visível e o espírito, sua forma invisível. O corpo não pode sobreviver sem a alma, e a alma não pode existir sem o corpo.
Na verdade, essa divisão entre corpo e alma, que vem do passado, criou um grande peso no coração dos homens. Criou uma esquizofrenia na humanidade. Em minha forma de pensar, a esquizofrenia não é uma doença que eventualmente se abate sobre uma pessoa. Toda a humanidade, até o momento, tem sido esquizofrênica. Muito raramente, apenas uma vez em centenas de anos, surge um homem como Jesus, ou Buda, ou Maavira, ou Sócrates, ou Pitágoras, ou Lao-tsé, que é capaz de escapar deste padrão esquizofrênico em que vivemos.
Dividir a realidade em duas partes opostas, antagônicas, é perigoso porque significa dividir também o homem. O homem é uma miniatura do Universo. Divida o Universo e o homem terá sido divido também. Divida o homem e o mesmo ocorrerá com o Universo. Eu acredito na unidade orgânica e indivisível da existência.
Para mim, não há distinção entre o plano espiritual e o material. Você pode ser espiritualizado e funcionar no plano material. Seu funcionamento será mais feliz, mais estético, mais sensível. Seu funcionamento no plano material não será tenso nem cheio de ansiedade e angústia.
Uma vez, um homem se aproximou de Buda e perguntou: “O mundo está tão cheio de desespero, as pessoas estão vivendo na miséria... Como você pode permanecer sentado em paz, silêncio e alegria?”
Buda respondeu: “Se uma pessoa está sofrendo, com febre, o médico deve deitar ao seu lado e sofrer também? O médico, por compaixão, precisa se deixar infectar, se deitar ao lado do paciente e ter febre? Isso irá ajudar o paciente? Antes, havia apenas uma pessoa doente, mas agora haverá duas — o mundo estará duplamente doente. O médico não precisa estar doente para ajudar o paciente, ele precisa estar saudável. Quanto mais saudável ele estiver, mais ele poderá ajudar”.
Não sou contra trabalhar por um mundo melhor no plano material. Seja qual for o trabalho que você estiver realizando — trabalhando em prol do equilíbrio ecológico, contra a fome, contra a pobreza, contra a exploração, a miséria, a opressão —, seja qual for o seu trabalho no plano material, ele será enormemente beneficiado se você aprofundar suas raízes espirituais, tornar-se uma pessoa mais centrada, calma, introspectiva, porque então toda a qualidade de seu trabalho terá sido alterada. Você poderá pensar de forma mais interiorizada e seus gestos serão mais graciosos. A compreensão de ser interior irá ajudar muito outras pessoas.
Não sou um espiritualista, nem tampouco um materialista, no sentido tradicional dessas palavras. Charvaka, na judia; Epicuro, na Grécia; Karl Marx e outros são todos materialistas. Dizem que apenas a matéria é verdadeira e que a consciência é um subproduto, que não possui realidade própria. E há pessoas como Shankara e Nagarjuna que dizem o mesmo, só que ao contrário. Dizem que a alma é real e o corpo, irreal, maya, ilusão, um subproduto, que não possui realidade própria.
Para mim, ambos estão metade certos e metade errados. E uma meia-verdade é muito mais perigosa do que uma mentira completa. Uma mentira completa é, ao menos, inteira, tem uma certa beleza, mas uma meia-verdade é feia e também perigosa. Feia porque é apenas metade de algo, como um homem que fosse dividido em duas partes. Dividir um homem é perigoso, porque ele é uma unidade orgânica. No entanto, fizeram isso através dos tempos, fazendo com que este pensamento se tornasse rotineiro, quase um condicionamento.
Não pertenço a nenhuma escola, nem à escola dos materialistas nem à escola dos assim chamados “espiritualistas”. Minha abordagem é total, holística. Acredito que o homem é, ao mesmo tempo, material e espiritual. Na verdade, uso as palavras “espiritual” e “material” apenas porque sempre foram usadas. O homem é psicossomático, não-material e espiritual, porque este “e” cria uma dualidade. Não há um “e” entre o material e o espiritual, nem mesmo um hífen. Eu usaria apenas uma palavra e diria que o homem é “materialespiritual”.
Espiritual significa o centro de seu ser, enquanto material é a circunferência de seu ser. A circunferência não pode existir sem o centro, assim como o centro não existe sem a circunferência.
Meu trabalho é o de ajudar seu centro a tornar-se claridade, pureza. Então essa pureza será refletida também na circunferência. Se o seu centro for belo, sua circunferência acabará se tornando bela e, se sua circunferência for bela, seu centro será afetado por essa beleza.
Há uma história que ilustra o que estou dizendo.
Dois místicos estavam conversando, O primeiro disse:
— Tive um discípulo uma vez, mas, apesar de todo o meu esforço, não consegui que 
ele atingisse a iluminação.
— O que você fez? — perguntou o outro.
— Fiz com que ele repetisse mantras, olhasse para símbolos, usasse vestimentas 
especiais, pulasse para cima e para baixo, inalasse incenso, lesse invocações e se mantivesse de pé durante longas vigílias.
— Ele não lhe disse nada que pudesse ajudá-lo a compreender por que nada disso estava aumentando o estado de consciência dele?
— Nada. Certo dia, apenas se deitou e morreu. A única coisa que ele disse foi irrelevante: “Quando é que vou poder comer algo?”
Claro que para uma pessoa espiritual é irrelevante falar sobre comida. O que isso tem a ver com o espírito?
Não sou esse tipo de pessoa espiritual. Sou tão hedonista quanto Carvaka, tão materialista quanto Epicuro, tão espiritual quanto Buda ou Maavira.
Sou o começo de uma visão totalmente nova.
OHSO, “Aprendendo a Silenciar a Mente”.