Meditação é sua natureza (1)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O QUE É a meditação? É uma técnica que pode ser praticada? É um esforço que você deve fazer? É algo que a mente pode atingir? Não é nada disso.
Tudo que a mente pode fazer não é meditação, pois a meditação está além da mente e não pode ser penetrada por ela. Onde a mente acaba, a meditação começa. Lembre-se disso, pois, em nossas vidas, tudo que fazemos é feito pela mente. Portanto, quando nos voltamos para dentro, começamos novamente a pensar em termos de técnicas, de métodos e realizações, porque nossa experiência de vida nos mostra que tudo pode ser feito pela mente. Tudo, exceto a meditação. A meditação não pode ser feita pela mente porque não é algo que se conquiste. A meditação já está lá, é sua natureza. Não precisa ser conquistada, basta que seja lembrada. Está lá, esperando por você. Basta voltar-se para dentro, e ela está disponível. Sempre esteve dentro de você.
A meditação é sua natureza intrínseca, não tem nada a ver com suas atividades. Você não pode tê-la, assim como não pode não tê-la. Ela não pode ser possuída, não é uma coisa. É você. É o seu ser.
Uma vez que você tenha entendido o que é a meditação, as coisas começam a ficar muito claras. Caso contrário, continuará tropeçando no escuro.
A meditação é um estado de clareza e não um estado da mente. A mente é confusa, nunca está clara. Não pode estar. Os pensamentos criam nuvens a seu redor, nuvens sutis. Uma névoa é criada por eles e a clareza se perde. Quando os pensamentos desaparecem, quando não há mais nuvens a seu redor, quando você está apenas sendo você mesmo, a clareza advém. Então é possível ver bem longe. É possível enxergar até o fim da existência, e seu olhar se torna penetrante, indo ao centro do ser.
A meditação é essa clareza absoluta da visão. Não é possível pensar sobre ela. Você deve parar de pensar. Quando digo “parar de pensar”: não tire conclusões apressadas, pois tenho que usar este idioma para me expressar. Eu digo “pare de pensar” mas, se você fizer um esforço no sentido de parar, estará no caminho errado, pois terá mais uma vez reduzido a meditação a uma ação.
“Pare de pensar” significa apenas: não faça nada. Sente-se. Deixe que os pensamentos se acomodem. Deixe que a mente pare por conta própria. Apenas sente-se olhando para a parede, em um canto silencioso, sem fazer nada. Relaxado. Solto. Sem esforço. Sem ir a lugar nenhum. Como se você estivesse dormindo acordado — você está acordado e está relaxando, mas todo o seu corpo está caindo no sono. Você permanece alerta por dentro, mas todo o corpo se move para um relaxamento profundo.
Os pensamentos se acomodam sozinhos. Se você vê que a água de um riacho está lamacenta, o que faz? Pula dentro do riacho para tentar ajudar a água a ficar límpida? Você irá apenas gerar mais lama. Sente-se na margem, então. Espere, pois não há nada a ser feito. Se alguém cruzou o riacho e as folhas caídas vieram à superfície com a lama, é preciso ter paciência. Observe, indiferente. O riacho continuará fluindo, as folhas serão levadas pela corrente e a lama ira depositar-se, pois não pode flutuar para sempre.
Após algum tempo, você irá perceber que a água está límpida novamente.
Sempre que um desejo cruza sua mente, o riacho fica lamacento Então sente-se, sem fazer nada. No Japão, este “sentar sem fazer nada” é chamado de zazen. Sente-se e, um dia, a meditação acontecerá. Você não a trará, ela virá a você. E quando vier, você irá reconhecê-la imediatamente. Ela sempre esteve lá, mas você não estava olhando na direção adequada. O tesouro estava com você, mas você estava ocupado com outra coisa: pensamentos, desejos, mil outras coisas Não estava interessado na coisa mais importante: seu próprio ser.
Quando a energia entra — o que Buda chamou de para parabvrutti, o retorno de sua energia à fonte —, subitamente a clareza é atingida. Nesse momento você poderá ver nuvens a milhares de quilômetros, poderá ouvir a música antiga das árvores. Nesse momento tudo estará a seu alcance.
É preciso compreender algumas coisas a respeito da mente, pois, quanto mais você entender o mecanismo da mente, maior será a possibilidade que você não interfira. Maior será sua possibilidade de sentar-se em zazen, ou seja, ser capaz de apenas sentar-se, sem fazer nada. Permitir que a meditação ocorra: é um acontecimento.
Caso contrário, é possível que você continue estimulando a mente a funcionar sem parar.
A primeira coisa a entender a respeito da mente é que há uma tagarelice constante. Quer você esteja falando ou não, ela continua a falar internamente. Quer você esteja acordado ou adormecido, a conversa interna continua, como uma espécie de ruído de fundo. Mesmo quando você trabalha, dirige ou caminha, a tagarelice interna continua.
A mente fala o tempo todo. Se esse falatório interno puder ser silenciado, mesmo que durante um único instante, você terá uma breve visão da não-mente. Esse é o objetivo e a essência da meditação. O estado de não-mente é o estado correto e natural.
Como chegar, então, a um intervalo no qual a mente pare com a falação interna? Mais uma vez, se você se esforçar para isso, estará no caminho errado. Não é necessário se esforçar, pois, na verdade, este intervalo ocorre o tempo todo, basta estar atento. Entre dois pensamentos há um intervalo. Até mesmo entre duas palavras há um intervalo. Caso contrário, pensamentos e palavras iriam se sobrepor.
Não importa o que você esteja dizendo: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa.” Entre duas palavras, por mais invisível e imperceptível que seja, há um intervalo. Com um pouco de atenção você irá perceber este intervalo: uma-rosa-é-uma-rosa-é-uma-rosa. O intervalo ocorre continuamente, após cada palavra.
Sua percepção de mundo precisa ser alterada. Geralmente você está atento às palavras e não aos intervalos. Você está olhando para “uma” e para “rosa”, mas não para o intervalo entre as duas.
Mude o foco.
Pense em uma daquelas imagens nas quais, olhando de determinada maneira, você vê uma velha, mas, se continuar prestando atenção, subitamente a imagem se transforma e você percebe uma linda jovem. As mesmas linhas traçam uma velha e uma jovem. Se você permanecer olhando para a face jovem, a imagem irá se alterar mais uma vez, porque a mente não consegue manter um foco constante em nada, está sempre em fluxo.
Você irá notar, contudo, que, ao ver a face da velha, é impossível ver a face da jovem, mesmo que você saiba que ela está oculta em algum lugar. O contrário também é verdadeiro. Não é possível ver as duas ao mesmo tempo, pois estão em oposição.
Quando você vê a figura, o fundo desaparece, e quando você vê o fundo, a figura desaparece. A mente possui uma capacidade de conhecimento limitada e não consegue perceber, simultaneamente, coisas que estão em oposição. Por isso não pode perceber Deus,
pois Deus possui lados opostos. É também por isso que a mente não consegue entender o mais profundo de seu ser, pois ele abrange todas as contradições, é sempre paradoxal.
A mente só pode ver uma coisa de cada vez. Portanto, quando você está prestando atenção nas palavras, não é possível ver o silêncio que vem depois de cada uma delas. Mude seu foco. Sente-se, silenciosamente. Comece a olhar nos intervalos. Sem esforço, sem estresse. De forma relaxada, fácil, como se fosse algo divertido, como se fosse um jogo. Não adote uma postura religiosa quanto a isso, do contrário você se tornará sério demais e, se você ficar sério, será muito difícil mover-se de palavras para não-palavras. Mas será fácil se você permanecer solto, flutuando, despretensioso e brincalhão.
Milhões de pessoas deixam de compreender a meditação porque esta palavra tomou uma conotação errada. Parece muito séria, parece sombria, parece ser algo que serve apenas para pessoas que estão mortas, ou quase mortas, que também são sombrias, sérias, que perderam sua festividade, alegria, contentamento. E estas são, justamente, as qualidades da meditação. Uma pessoa realmente meditativa é brincalhona e divertida, pois a vida é alegre para ela. A vida é leela, uma brincadeira, e ela se diverte enormemente. Não é uma pessoa séria, mas sim alguém que está muito relaxado.
Sente-se silenciosamente, então, relaxado, solto, e permita que sua atenção flua em direção aos intervalos. Escorregue da borda das palavras para dentro dos intervalos. Deixe que os intervalos se tornem mais proeminentes e permita que as palavras desapareçam aos poucos. É como se você estivesse olhando em um quadro-negro e desenhasse um pequeno ponto branco sobre ele: você pode ver o ponto branco, e então o quadro-negro desaparece, ou você pode ver o quadro-negro, e então o ponto se torna secundário.
As palavras são as figuras, o silêncio é o fundo. Palavras vão e voltam, o silêncio permanece. Quando você nasceu, nasceu como silêncio — apenas intervalos e intervalos, espaços e espaços. Veio ao mundo com um vazio infinito, um vazio sem limites que trouxe você à vida. E então você começou a colecionar palavras.
O vazio é seu ser.
A mente significa palavras, o ser significa silêncio. A mente não é nada além das palavras que você acumulou. O silêncio é aquilo que sempre esteve com você, não é um acúmulo. Este é o sentido do ser. É sua qualidade intrínseca. Em segundo plano, por trás do silêncio, você vai acumulando as palavras, e o conjunto das palavras é conhecido como mente.
Silêncio é meditação. É necessário alterar a percepção, mudar o foco das palavras em direção ao silêncio, que está sempre presente.
Cada palavra é um precipício: a partir delas é possível mergulhar no vale do silêncio. Este é o sentido dos mantras: mergulhar no silêncio a partir das palavras. Um mantra significa repetir e repetir e repetir uma única palavra inúmeras vezes. Em algum momento você se cansa dessa palavra, pois não há nada de novo nela. Esse cansaço ajuda você a se livrar da palavra, de forma que possa mergulhar no silêncio mais facilmente.
O silêncio está sempre lá, escondido no canto. Se ficar repetindo Ram, Ram, Ram... por quanto tempo você consegue repetir isso? Logo estará cansado. Usar um mantra para criar esse cansaço, para que você queira se livrar da palavra, é ótimo, pois não haverá outra saída senão mergulhar no silêncio.
Quando as palavras mudam, e em geral elas mudam, você não se cansa. Urna nova palavra, uma nova ideia, um novo sonho ou desejo, tudo isso é sempre atraente. Mas se você percebe que sua mente está repetindo sempre a mesma coisa, ou você dorme ou mergulha no silêncio — essas são as duas únicas possibilidades.
Muitas pessoas que cantam mantras adormecem. Por isso a meditação transcendental é usada para pessoas que sofrem de insônia, e daí também seu apelo no Ocidente. Insônia tornou-se algo normal. Quanto mais insônia houver, maior será o apelo do Maharishi Mahesh Yogi, pois as pessoas precisam de tranquilizantes. Um mantra é um tranquilizante perfeito, mas esse não é seu verdadeiro uso. Não há nada de errado nisso: se o mantra lhe trouxer um bom sono, ótimo. Mas você estará usando algo muito poderoso para um fim muito limitado.
Um mantra tem que ser usado com a total compreensão de que seu objetivo é criar um estado de cansaço, mas que você deve se lembrar de não cair no sono. Do contrário, terá errado o alvo. Não durma. Repita o mantra, mas não se permita dormir. Para que você não durma, é melhor repetir o mantra de pé, ou andando.
Se você for a Bodhgaya, onde o Buda Gautama atingiu a iluminação, perto da árvore bodhi, você encontrará um pequeno caminho. Buda caminhava constantemente ali. Meditava sob a árvore durante uma hora, depois caminhava durante uma hora.
Quando seus discípulos perguntavam “Por quê?”, ele respondia: “Se eu ficar sentado tempo demais sob a árvore, fico sonolento.”
Quando a sonolência começar a chegar, é preciso caminhar, caso contrário você irá cair no sono e a razão de ser do mantra estará perdida. O mantra está ali para criar um estado de cansaço de forma que você possa mergulhar no abismo. Se você cair no sono, terá perdido o abismo.
Todas as meditações budistas se alternam entre dois estados. Você começa sentado, mas quando sente a sonolência tomar conta de você, deve levantar-se e meditar andando. Quando perceber que já está novamente acordado, sente-se de novo e continue meditando. Se fizer isso repetidamente, chegará o momento em que você escorregará para fora das palavras, como se trocasse de pele. E tudo isso ocorre naturalmente, sem esforço.
OSHO, “Aprendendo a Silenciar a Mente”.