A Psicologia dos Budas

domingo, 13 de maio de 2012

SIGMUND FREUD criou a psicanálise baseada na análise da mente. Ela está confinada apenas ao estudo da mente. A psicanálise não se distancia nem um milímetro da mente, ao contrário, ela se aprofunda cada vez mais dentro da mente, em suas camadas ocultas, no inconsciente, para descobrir como fazer para que a mente humana seja ao menos normal. O objetivo da psicanálise freudiana não é muito ambicioso.
Seu objetivo é manter as pessoas dentro da normalidade. Mas ser somente normal não possui um sentido maior, significa apenas que você é capaz de lidar com a rotina normal da vida. Ela não lhe traz qualquer significado, qualquer sentido. Também não lhe dá uma visão maior sobre a realidade das coisas. A psicanálise não o leva além do tempo, além da mor te. É, quando muito, um mecanismo útil para aqueles que ficaram tão fora da normalidade que se tornaram incapazes de lidar com seu cotidiano. Serve para pessoas que não conseguem conviver com outras pessoas, que não trabalham, que se tornaram fragmentadas.
A psicoterapia traz um sentimento de unidade — não digo integridade, note bem, apenas a sensação de unidade. Serve para amarrar os pedaços, mas estas pessoas permanecem fragmentadas. Nada se cristaliza, nenhuma alma nasce dentro delas. Não se tornam cheias de contentamento, apenas menos infelizes, menos deprimidas.
A psicologia ajuda as pessoas a aceitar sua infelicidade, a aceitar que isto é tudo o que a vida pode lhes dar, que não devem esperar mais. De certa forma, ela é perigosa para seu crescimento interior, porque esse só acontece quando existe um descontentamento divino. Só quando você está completamente insatisfeito com o estado em que estão as coisas é que você inicia sua busca e começa a se elevar, só então você se esforça para sair do atoleiro.
Jung penetrou ainda mais fundo no inconsciente. Ele chegou ao inconsciente coletivo, mas isso apenas nos leva mais fundo no atoleiro e não ajuda em nada.
Já Assagioli foi na direção oposta. Ao perceber o fracasso da psicanálise, ele inventou o que chamou de psicossíntese. Está baseada na mesma ideia, só que dá ênfase à síntese e não à análise.
A psicologia dos budas não é análise nem síntese, mas transcendência, ou seja, ir além da mente. Não é um trabalho dentro da mente, mas um trabalho que o leva para fora dela. Este é exatamente o significado da palavra “êxtase” — sair de si.
Quando você é capaz de deixar sua mente, quando se torna capaz de criar uma distância entre sua mente e seu ser, então você terá dado o primeiro passo na psicologia dos budas. Um milagre acontece: quando você sai da sua mente, todos os problemas dela desaparecem, porque a própria mente desaparece, ela perde o controle sobre você.
A psicanálise é como podar os ramos de uma árvore: novos brotos crescerão, pois as raízes não foram cortadas. E a psicossíntese é como colar os ramos caídos de volta na árvore. Isso também não trará vida aos ramos, que continuarão com um aspecto feio. Eles não estarão verdes, não farão parte da árvore, estarão apenas colados a ela.
A psicologia dos budas corta todas as raízes da árvore que cria as neuroses e psicoses e que gera o homem fragmentado, mecânico, robotizado. E o caminho é simples...
A psicanálise demora muitos anos e, ainda assim, o homem permanece o mesmo. Ela apenas renova a estrutura antiga, remendando aqui e ali, aplicando uma mão de tinta para disfarçar. Mas continua sendo a mesma casa, nada foi radicalmente alterado. Ela não transformou a consciência do homem.
A psicologia dos budas não funciona dentro da mente. Ela não está interessada em analisar ou sintetizar, apenas ajuda você a sair de sua mente para que possa dar uma olhada pelo lado de fora.
E este próprio olhar já é uma transformação. No mo mento em que você consegue olhar para sua mente como um objeto, você se distancia, perde sua identificação com ela. Urna distância é criada e as raízes são cortadas.
Por que as raízes são cortadas dessa maneira? Porque é você quem alimenta a mente. Se você está identificado, você ali menta a mente. Caso contrário, você interrompe essa alimentação. Ela cai morta por si só.
Existe uma bela história que eu adoro contar... Diz a lenda que um dia, já em idade bastante avançada, Buda passava por uma floresta. Era um dia quente de verão e ele estava com muita sede. Então ele disse a Ananda, seu discípulo-mor:
“Você precisa voltar, passamos por um pequeno riacho cinco ou seis quilômetros atrás. Vá, leve a minha vasilha de esmolas e me traga um pouco de água. Estou com sede e cansado.”
Ananda retornou, mas, ao chegar ao local, percebeu que alguns carros de bois haviam atravessado o riacho, revolvendo o leito de folhas secas e deixando a água enlameada. Já não era mais possível beber daquela água, ela estava muito suja. Ele voltou com as mãos vazias dizendo: “Você precisa esperar um pouco. Eu vou seguir adiante, pois ouvi falar de um grande rio a apenas três ou quatro quilômetros daqui. Eu trarei água de lá.”
Mas Buda insiste dizendo: “Volte e traga água do mesmo riacho.”
Ananda não conseguia entender tanta insistência, mas, se o mestre estava ordenando, o discípulo obedeceria. Assim, ele retornou ao riacho, mesmo sabendo do absurdo que seria caminhar cinco ou seis quilômetros, sabendo que a água não era boa para ser bebida.
Ao retornar, Buda disse: “E não volte se a água ainda estiver suja. Se estiver suja, simplesmente sente à margem do riacho e permaneça em silêncio. Não faça nada, não entre no riacho. Apenas sente à margem em silêncio e observe. Cedo ou tarde a água estará límpida novamente, você poderá encher a vasilha e voltar.”
Ananda retornou ao local. Buda estava certo: a água estava quase límpida, as folhas tinham sido levadas, a sujeira tinha assentado. Mas ainda não estava absolutamente límpida. Assim, ele se sentou à margem e apenas observou o rio fluir. Lentamente, ele se tornou transparente como um cristal e Ananda retornou dançando. Ele havia entendido por que Buda fora tão insistente, pois na sua insistência Buda havia deixado uma mensagem que ele compreendera. Ananda entregou a água a Buda e o agradeceu, tocando seus pés.
Buda então disse: “O que você está fazendo? Sou eu quem deveria agradecê-lo por ter me trazido água.”
Ananda retorquiu: “Agora eu entendo. No início, eu estava com raiva. Eu não demonstrei, mas estava com raiva porque achava que era absurdo voltar. Agora, entendi a mensagem. Sentado à margem do riacho, me dei conta de que a mesma coisa acontece com minha mente. Se eu mergulhar no rio, eu o sujarei novamente. Se eu mergulhar na mente, apenas criarei mais barulho, mais problemas serão desenterrados e irão começar a aparecer. Aprendi a técnica simplesmente ao sentar à margem.”
Fique sentado à margem de sua mente, observando sua sujeira, seus problemas, suas folhas podres, mágoas, feridas, memórias, desejos. Sente-se despreocupadamente à margem de tudo e aguarde o momento em que tudo estará límpido novamente.
Isto acontecerá por si só porque, no momento em que se sentar à margem de sua mente, você não estará mais transmitindo energia para ela. Essa é a verdadeira meditação. A meditação é a arte da transcendência.
Freud falou em análise, Assagioli em síntese. Os Budas sempre falaram em meditação e consciência.
O que há de tão especial nesse terceiro tipo de psicologia? Meditação, percepção, observação, testemunho — isso é único. Você não precisa de um psicanalista. Você pode fazer isto sozinho. Na verdade, você tem que fazer isto sozinho. Não é preciso nenhum manual, pois o processo é simples quando executado: caso contrário, parece muito complicado.
A própria palavra meditação assusta muito as pessoas, pois elas pensam que é algo difícil e árduo. Sim, se você não meditar, fica tudo muito difícil e árduo. É como nadar. No início, parece muito difícil, mas depois que você descobre o processo vê que é simples. Nada pode ser mais simples do que nadar. Não é uma forma de arte, é tão espontâneo e natural!
Tome maior consciência de sua mente. Ao fazer isso, você também tomará consciência de que você não é a mente. E este é o início da revolução. Você começa a se elevar mais e mais. Você deixa de estar atrelado à mente, que funciona como uma pedra que o detém. Ela o prende dentro de um campo gravitacional. No momento em que você se liberta da mente, quando a gravidade perde seu poder sobre você, você entra no campo de Buda. Entrar no campo de Buda significa entrar no mundo da levitação. Você começa a flutuar. A mente, no entanto, continua a puxá-lo para baixo.
Assim, não é uma questão de analisar ou sintetizar. É simplesmente uma questão de tomar consciência. É por isso que no Oriente não foi desenvolvida uma psicoterapia como a de Freud, Jung ou Adler, e outras tantas disponíveis no mercado atualmente. Nunca desenvolvemos psicoterapias porque sabemos que elas não curam. Elas podem ajudá-lo a aceitar suas feridas, mas não podem curá-las. A cura só acontece quando você não está mais preso à mente. Quando está desconectado da mente, sem identidade, completamente desatrelado, a escravidão termina e a cura pode acontecer.
A verdadeira terapia é a transcendência, e não apenas a psicoterapia. Não é um fenômeno limitado à psicologia, é muito maior do que isto. É espiritual. E pode curá-lo no mais fundo de seu ser.
OSHO, “Aprendendo a Silenciar a Mente”.