Você é escravo da vaidade? (1)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Hoje em dia, a cada dia mais, a propaganda, o mercado de consumo excitam a vaidade do povo. É o carro novo, é a televisão nova, é o disco novo. Tudo é novo. Toda hora o povo quer coisa nova, quer coisa, quer coisa. Aí, o que vocês fazem? Ficam no "eu preciso ter, eu preciso ter ... " Isso é vaidade, porque compram e largam lá no canto, como tenho visto nas casas de vocês, cheias de cacarecos. Tudo quanto é porcaria de cacareco vocês compram e largam lá. Só para ter, para ter, para ter ...
Fico pensando: meu Deus, isso é vaidade. Só pode ser loucura da cabeça da pessoa. Ela abre o armário e vê tanto cacareco lá dentro que não presta para nada, porque não faz parte da vida da pessoa. Mas tudo ela quer ter. Abre os armários da cozinha e estão cheios de aparelhos. Até esquece de usar. Tem coisa lá que precisa jogar fora de tão velha. Comprou só para fazer panca: olha que beleza! Que coisa linda! E não usou mais, porque não tem paciência de lavar depois de usar. Em vez de picar a batata no picador, ela prefere picar rapidinho na faca, porque assim não tem que lavar o picador.
Vocês pensam que a gente não fica observando?
Fica, porque a gente quer aprender sobre o ser humano. E como posso ajudar, se não observar? Observo, sim, porque sou invisível. Fico no canto da cozinha, só olhando o que você faz, o que pensa. Não faço isso para gozar de você nem para invadir a sua privacidade, não senhora. Faço com muito respeito. Estou estudando e prefiro usar isso no bom sentido. A gente fica vendo de onde vêm o tédio humano, a insatisfação com as casas cheias de coisas. Com sala bonita, com tapete no chão. Tapete, na minha época, era coisa de milionário. Imagine se existia estofado. Existia nada! Era cadeira dura, banco. E olhe lá! Não tinha nada disso, não, nem luz elétrica nem aparelho algum.
O povo era mais calmo. Agora, infeliz todo mundo é, seja na pobreza ou na riqueza. Mas hoje o tipo de infelicidade é diferente. Quer dizer, o mundo conquistou o conforto, mas o conforto não ajudou tanto assim. Parece que vocês passaram a ser escravos disso. Ora, o conforto não veio para deixar a vida macia? Veio. Mas o que fizemos com o conforto? Viramos escravos, pois a vida ficou mais complicada de se levar.
Nunca vi coisa mais complicada do que a cozinha. Na minha época, qualquer coisinha já fazia a refeição. Catava o frango no quintal, enforcava rapidinho para ficar fresco, já depenava e botava na panela de ferro. Deixava horas naquele fogo de lenha para ficar bom. Depois arrancava batata ou mandioca do quintal e estava tudo bom. Hoje é tão complicado, porque tem que comer disso, comer daquilo ... Comida que eu nunca vi na minha vida. Fico curioso para saber qual é o gosto. O povo come naqueles copinhos de plástico umas comidas esquisitas. Depois, abre uns pacotes com tudo quanto é coisa dentro. Come, come, come ... Eu fico olhando. Gente, que coisa esquisita!
Como vai ser o mundo daqui a cem anos, hein? O que será que o povo vai comer? Será que vai ser mais feliz com isso tudo? Mudou, mudou, tudo bem. O povo aí diz que é mais prático. Mas será que está mais feliz? Ah, está, não! Sobrou mais tempo? Sobrou. Não trabalha mais o dia inteiro de sol a sol? Não, porque fica assistindo à televisão até de madrugada. Vocês hoje dormem menos. A gente dormia mais, porque oito, nove horas já tinha que estar na cama. Não tinha mais nada para fazer. Mas acordava mais cedo, com o sol, às cinco horas da manhã.
De qualquer maneira, será que o povo está mais feliz? Fico pensando que a felicidade, às vezes, está arruinada. É mais difícil para vocês do que era para nós. Hoje vocês têm que ter dinheiro para tudo isso, têm que comprar tudo isso, têm que consumir tudo isso, têm que ir para cima e para baixo com o carro. Agora tem carro, então vou buscar não sei o que lá onde, não sei o que mais lá adiante, vou passar aqui, vou passar lá, corro para cima, corro para baixo, de cá para lá. Ah, nem visita faz mais. O carro não serve para visita. Serve para outras coisas. O povo não mais se confraterniza. Chega em casa moído. Pensa o quê? O de sempre: correr atrás de coisa material o dia inteiro e só.
Minha gente, será que isso tudo está valendo a pena? Vamos questionar, minha filha? Porque eu queria muito que a felicidade invadisse o seu lar, queria muito que seus filhos fossem felizes. Mas eles também estão se criando nessa ilusão! É só dinheiro para comprar, dinheiro para comprar. Não pode viver sem dinheiro para comprar. Se faltar um pouquinho, pronto, já é um escândalo.


continua...

Calunga, "Tudo pelo Melhor".