Meus muitos mestres...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Quando o grande místico sufi Hasan estava morrendo, um dos seus discípulos perguntou: - Mestre, quem foi o teu mestre? - Eu tive centenas de mestres – foi a resposta. - Se tivesse que dizer o nome de todos eles, levaria meses, talvez anos, e mesmo assim ainda terminaria esquecendo alguns.- Entretanto, não houve algum deles que marcou mais que outros? Hassan pensou por um minuto, e disse: - Na verdade, existiram três pessoas que me ensinaram coisas muito importantes. 
“O primeiro foi um ladrão. Certa vez eu estava perdido no deserto, e só consegui chegar em casa muito tarde da noite. Havia deixado minha chave com o vizinho, mas não tinha coragem de acordá-lo aquela hora. Finalmente encontrei um homem, pedi ajuda, e ele abriu a fechadura num piscar de olhos. “Fiquei muito impressionado, e implorei que me ensinasse a fazer aquilo. Ele me disse que vivia de roubar as outras pessoas, mas eu estava tão agradecido que convidei-o para dormir em minha casa. “Ele ficou comigo por um mês. Toda noite saía e comentava: “Estou indo trabalhar; continue sua meditação e reze bastante.” Quando voltava, eu perguntava sempre se tinha conseguido alguma coisa. Ele invariavelmente me respondia: “Não consegui nada esta noite. Mas, se Deus quiser, amanhã tentarei de novo.” Era um homem contente, e nunca o vi ficar desesperado com a falta de resultados. 
Durante grande parte da minha vida, quando eu meditava e meditava sem que nada acontecesse, sem conseguir meu contato com Deus, eu me lembrava das palavras do ladrão – “não consegui nada esta noite, mas, se Deus quiser, amanhã tentarei de novo”. Isso me deu forças para seguir adiante.
- Quem foi a segunda pessoa? - Foi um cachorro. Eu estava indo em direção ao rio, para beber um pouco de água, quando o cachorro apareceu. Ele também estava com sede. Mas, quando chegou perto da água, viu outro cachorro ali – que não era mais que sua própria imagem refletida. “Ficou com medo, afastou-se, latiu, fez tudo para que afastar o outro cachorro. Nada aconteceu, é claro. Finalmente, porque sua sede era imensa, resolveu enfrentar a situação e atirou-se dentro do rio; neste momento a imagem sumiu. 
Hassan deu uma pausa, e continuou: - Finalmente, meu terceiro mestre foi uma criança. Ela caminhava em direção à mesquita, com uma vela acesa na mão. Eu perguntei: “Você mesmo acendeu esta vela?” O garoto disse que sim. Como fico preocupado com crianças brincando comchamas, insisti: “Menino, houve um momento em que esta vela esteve apagada. Você poderia me dizer de onde veio o fogo que a ilumina?” “O garoto riu, apagou a vela, e me perguntou de volta: “E o senhor, pode me dizer para onde foi o fogo que estava aqui?”
“Neste momento eu entendi o quão estúpido sempre tinha sido. Quem acende a chama da sabedoria? Para onde ela vai? Compreendi que, igual aquela vela, o homem carrega por certos momentos no seu coração o fogo sagrado, mas nunca sabe onde ele foi aceso. 
A partir daí, comecei a comungar com tudo que me cercava – nuvens, árvores, rios e florestas, homens e mulheres. Tive milhares de mestres a minha vida inteira. Passei a confiar que a chama sempre estaria brilhando quando dela precisasse; fui um discípulo da vida, e ainda continuo sendo. Consegui aprender a aprender com as coisas mais simples e mais inesperadas, como as histórias que os pais contam para os seus filhos.”
Paulo Coelho, “Histórias para Pais, Filhos e Netos”.