Este artigo foi publicado na Revista veja: Não Precisa Casar. Sozinho é melhor. É uma entrevista com o psiquiatra Flávio Gikovati, onde ataca o amor romântico e defende o individualismo.
Eis alguns trechos da entrevista:
"As pessoas que estão casadas e são felizes são uma minoria. Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5%. A imensa maioria é a dos mal casados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade".
"Há muitos solteiros felizes. Levam uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele "vazio no estômago" por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, lêem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são geralmente os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a ideia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. Pensam, como Vinicius de Moraes, que "é impossível ser feliz sozinho". Isso caducou. Daí, vivem tristes e deprimidos."
"Quase todos os casamentos hoje são assim: um é mais extrovertido, estourado, de gênio forte. É vaidoso e precisa sempre de elogios. O outro é mais discreto, mais manso, mais tolerante. Faz tudo para agradar o primeiro."(...) "De um jeito ou de outro, o generoso sempre precisa fazer concessões para agradar o egoísta, ou não brigar com ele. Em nome do amor, deixam sua individualidade em segundo plano. E a felicidade vai junto. O casamento, então, começa a desmoronar."
"A ideia geral na nossa sociedade é a de que os opostos se atraem. E isso acontece por vários motivos." (...) "Assim, egoístas e generosos acabam se envolvendo. O egoísta, por ser exibicionista, também atrai o generoso, que vê no outro qualidades que ele não possui. Por fim, nossos pais e avós são geralmente uniões desse tipo, e nós acabamos repetindo o erro deles."
Dica do psiquiatra: "Se você tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo."
"Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade. Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo."
"Os relacionamentos que não respeitam a individualidade estão condenados a desaparecer. Isso de certa forma já ocorre naturalmente. No Brasil, o número de divórcios já é maior que o de casamentos no ano. Atualmente, muitos homens e mulheres já consideram que ficarão sozinhos para sempre ou já aceitam a idéia de aguardar até o momento em que encontrarão alguém parecido tanto no caráter quanto nos interesses pessoais. Se isso ocorrer, terão prazer em estar juntos em um número grande de situações. Nesse novo cenário, em que há afinidade e respeito pelas diferenças, a individualidade é preservada."
"A fidelidade ocorre espontaneamente quando se estabelece um vínculo de qualidade."
"Um dos grandes problemas ligados à questão sentimental é justamente o de que o desejo sexual nem sempre acompanha a intimidade efetiva, aquela baseada em afinidade e companheirismo. É incrível como de vez em quando amor e sexo combinam, mas isso não ocorre com facilidade. Por outro lado, o sexo com um parceiro desconhecido, ou quase isso, é quase sempre muito pouco interessante."
Eu sou uma pessoa feliz. Solteira e feliz. Já vivi dois relacionamentos sob o mesmo teto e com isso aprendi um bocado de coisas. E cheguei a esse ponto: sem ansiedade em procurar um novo amor e sem tristeza alguma por ir ao cinema sozinha. Vejo que atingi um ponto da minha maturidade emocional onde eu sei que eu sou a atriz principal da minha peça, diretora e roteirista. Ou seja: tenho perfeita convicção que meu bem-estar está vinculado às minhas escolhas pessoais e não ao romantismo de dois séculos atrás, onde o casamento era a porta da felicidade para o ser humano.
Também não levando com veemência a bandeira do individualismo. Gosto de sair, gosto de namorar, gosto de fazer amigos, gosto de me sentir um ser sociável. Amo isso! Não fecho e jamais fecharei portas para um amor romântico. Aliás, o romance simplesmente acontece - como disse uma vez Carlos, um amigo: "Romance é uma coisa que surge. Não é fruto de decisão de ninguém". E se há possibilidade de vivê-lo, faça-o! É bom, saudável, traz boa energia e muito carinho. Pode durar um dia como também vinte anos. Que seja eterno enquanto dure? Talvez. Na verdade, que seja eterno nosso amor próprio, regado por amizade e prazer pela vida, seja lá como esta for.
Aos casais apaixonados, desejo um super dia, romântico ou não. Mas que necessariamente exista respeito e afinidade em tudo que fizerem juntos.
Flávio Gikovati.