Ilude-se aquele que se acha importante. Ilude-se aquele que se acha um escolhido. Ilude-se aquele que se considera além do homem comum. Quem assim o faz, cego se encontra diante de seu falso eu. Não vê que todos são importantes, que todos são escolhidos, que ninguém é comum. Logo, a medida da importância decresce, mas em continuando no conceito de alguém, este alguém está indo contra a vida.
Nesta época importante para a humanidade, carecemos de homens e mulheres que sigam o Caminho, dissolvidos e totalmente entregues a ele. Notamos neles o silêncio e a discrição de suas consciência e sabedoria. Não se gabam, não se enfeitam e não se iludem com os olhos de terceiros. Há aquela quietude singular e a conservação dos poderes de observação e intuição.
Já o homem que faz barulho, que almeja estremecer o mundo quando presente, está indo em direção à grande queda. O falso eu tornou-se grande, importante o bastante para considerar-se o Verdadeiro Eu. Criou-se então a falsa percepção do total desapego e do total amor. Todavia, até mesmo aos mais desavisados é nítida a permanência da mente ególatra.
A humanidade não precisa de gurus, e sim de guias e de professores. Quem se encontra num patamar superior a outrem não pode ser um guia, não pode ser um farol. A este fica disponível a posição de guru, com todas as suas afetações e displicências contra quem não segue o mesmo raciocínio.
Um professor tem como único objetivo compartilhar conhecimento e indicar caminhos. Não cabe a ele ajudar, não cabe a ele tentar mudar a outro, não cabe a ele impor um entendimento, não cabe a ele lutar por aquilo que tenta passar. Um professor é calmo e reservado; compreende que não pode ajudar a ninguém, apenas ser útil para que cada um se ajude; compreende que forçar o entendimento é querer encher um copo já preenchido.
Nesta nova época na qual nos encontramos, já tivemos nossa cota de pretensos iluminados, pretensos escolhidos, pretensos missionários. Isso serviu para a imaturidade da raça humana. Chegou a hora de ela tornar-se adulta e começar a compreender as coisas de maneira verossímil, factual e profunda. Os jogos de fumaça e espelhos terminaram, não têm mais vez num mundo que busca a emancipação.
Não podemos nos emancipar como raça humana se continuarmos com a mesma infantilidade espiritual de outrora.
É chegado o tempo de deixarmos para trás os ícones, os anjos, os deuses, os brilhos no céu, as promessas do amanhã, as fantasias de ontem, as ilusões mentais e os conceitos dogmáticos. As cantigas precisam cessar. Não se pode mais deixar-se levar por imagens exteriores.
Do lado de fora o que existe é apenas passado, futuro e a ilusão. Nunca existiu nada além disso. A verdade só pode ser encontrada no agora, e o agora reside dentro de cada um. E o homem não poderá vivenciar isso enquanto estiver nas mãos de seus falsos eus ou à procura de libertação terceirizada.
Apenas deitando-se no leito do Caminho é que poderá haver a emancipação do homem.
O Caminho é o que permeia todo o cosmos. É um campo de todas as potencialidades. É preciso se debruçar no Caminho, no Supremo, para compreender a Verdade. Mas para isso é necessário esvaziar-se totalmente. Um corpo e uma mente cheios não têm espaço para deixar que Deus flua, que o Caminho flua livremente.
Quem se crê importante está cheio. Quem olha para ícones está cheio. Quem se apega ao conhecimento está cheio. Quem se apega a palavras e símbolos está cheio. Quem busca confronto está cheio. Quem acha que sabe alguma coisa está cheio. Quem necessita de condições está cheio. Quem corre contra o tempo está cheio. Quem se preocupa com o que os outros pensam está cheio.
Para conhecer algo é preciso tornar-se aquilo que se quer conhecer. E a emancipação do homem só virá quando ele conhecer profundamente a Vida, a Morte, o Ser, o Não-Ser, o Saber, o Não-Saber e por fim, 'Deus'.
E quem não se tornou cada uma dessas virtudes não pode se considerar importante, escolhido ou emancipado.
Eu não as conheço todas, por isso sou um grão de areia, uma partícula de poeira diante do Supremo, totalmente ignorante em relação à Existência. Mas justamente por saber onde estou é que posso, mesmo em minha total ignorância, enxergar o meu caminho.
Marcos Keld.