É hora de acabar com a dependência e nos tornarmos tão grandes quanto os mestres que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles.
Gurus, professores espirituais, terapeutas: eu costumava segui-los com devoção. Devorava seus livros, não perdia um seminário e me sentava a seus pés.
Durante anos viajei para a Índia, sem dúvida o país com maior índice de gurus por habitante. Todo professor que eu encontrava prometia algum tipo de libertação: um dizia que seria pelo compartilhamento do conhecimento, outro por meditação, Yoga ou recitação de mantras.
Havia os que eram a própria encarnação do amor; outros eram rudes e investiam sem piedade contra seus seguidores até lhes despedaçar o ego.
Contudo, comecei a questionar se a relação entre um guru e seus seguidores seria mesmo a melhor maneira de atingir a libertação. Afinal, pouquíssimas vezes encontrei um seguidor que houvesse alcançado a iluminação. A maioria dos seguidores era gente devota, mas que duvidava muito de si mesma.
Percebi também que algumas vezes eu parecia encolher na presença de um guru que inspirava admiração em todos. Seria um sentimento de respeito ou seria medo?
O mestre zen chinês Lin Chi chamava a atenção para o perigo dos gurus. Ele via como seus contemporâneos transferiam a responsabilidade por seu bem-estar espiritual para outros. Com isso as pessoas abriam mão de SEU poder.
Essa observação levou-o a fazer uma declaração que se tornaria célebre: “Se o Buda cruzar seu caminho, mate-o”.
Se você acha que vai encontrar a iluminação fora de si mesmo, está no caminho errado.
Os ensinamentos de Lin Chi se mantêm atuais ainda hoje. Apesar da extrema individualização do mundo ocidental, as pessoas continuam em busca de algo em que se apoiar. Hoje há mais gurus do que nunca com os nomes de conselheiro mental, “terapeuta”, assistente social.
O cientista social americano John McKnight há mais de 40 anos estuda o efeito dos conselheiros profissionais sobre a sociedade.
“Todas as vezes que procuramos um especialista, abrimos mão de uma parte de nós mesmos. Com sua atuação, os conselheiros profissionais esvaziaram a alma da comunidade”, diz ele em The Careless Society (A Sociedade Negligente).
Gurus e conselheiros profissionais não são os únicos que tendem a tornar as pessoas dependentes. Pais e educadores muitas vezes fazem o mesmo.
Quantos deles veem o “Buda” nas crianças? Quase nunca perguntamos às crianças quem elas são, e sim o que desejam ser. A mensagem subjacente é a seguinte: vocês não são coisa alguma, mas se fizerem o que recomendamos, poderão se tornar alguém no futuro. A ideia de que temos de nos tornar alguma coisa para sermos bem-sucedidos, livres ou felizes é um enorme mal-entendido.
A convicção de que um caminho externo pode nos guiar a algo melhor é a razão pela qual praticamente ninguém jamais chega a seu destino. Se estamos sempre a caminho, jamais chegaremos a parte alguma.
Os gurus também prometem a iluminação para mais tarde, condenando seus seguidores à eterna dependência. O que seria do guru se ele não tivesse seguidores?
Naturalmente, alguns personagens não ficaram encurralados nessa mútua dependência. Esses são os mestres radicais, que não toleram seguidores nem tietes, porque sabem que a liberdade espiritual só pode ser alcançada por aqueles que ousam se apresentar nus perante a verdade, sem lealdade prévia a uma doutrina ou guru.
Jesus jamais teria se tornado cristão, tampouco Buda seria budista. Esses mestres eram rebeldes que seguiam antes de tudo a si mesmos.
O analista Carl Gustav Jung é mais um exemplo.
Certa vez, ele disse: “Graças a Deus não sou junguiano”.
Jung referia-se ao que considerava um problema de relações desiguais em todas as formas de terapia. Ele acreditava que a cura só poderia acontecer se houvesse espaço para a pessoa em toda a sua inteireza. Uma relação desigual implica a existência de uma muralha que o seguidor dificilmente terá condições de atravessar.
Superar o mestre é difícil, sobretudo se aprendemos a não confiar em nossa própria sabedoria. O seguidor não percorre uma trajetória própria, e sim a de um outro, porque se trata de um caminho já palmilhado. Portanto, não há necessidade de muito esforço para segui-lo. A conclusão a que o mestre chega – o resultado do trabalho espiritual – não é a mesma a que chega seu seguidor.
O mestre experimentou tanto a trajetória quanto o destino. O discípulo conhece apenas o destino, conforme descrito pelo mestre.
Esta é a razão pela qual os discípulos quase sempre são mais santos do que o papa e mais radicais em suas opiniões do que o mestre. Tais opiniões, não raro, podem ser reduzidas a cápsulas de fácil digestão. Afinal, quanto mais inseguras forem as pessoas, mais se apegarão à “verdade”. Além disso, a maior parte dos discípulos não entende totalmente os ensinamentos do mestre, por isso insights sutis e complexos são pasteurizados em conceitos de fácil entendimento.
O paradoxo que muita gente encontra em sua busca por iluminação se deve ao fato de que esse estado de consciência não corresponde ao apego a “verdades” e “fatos”. Um fato não é uma verdade, e sim uma criação.
Portanto, não perdemos nossa “natureza búdica” por causa daquilo que não sabemos, e sim por causa daquilo que estamos convictos de saber porque outras pessoas assim nos disseram.
No momento em que nos convencemos de que alguma coisa é fato, perdemos contato com a realidade.
Talvez os gurus não sejam mestres a ser imitados. Talvez sejam exemplos que podem nos servir de inspiração. Eles nos mostram que é possível atingir um estado superior de consciência, mas cabe a nós chegar lá.
Portanto, é hora de mandar embora os gurus (fatos, verdades, crenças, princípios, dogmas) para que o guru dentro de nós aflore. É hora de nos tornarmos tão grandes quanto os gurus que seguimos – tão autênticos, peculiares e obstinados quanto eles.
O tratamento deu certo: o guru morreu.
www.yogajournal.terra.com.br